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28/08/19 2:10 a.m

  • Foto do escritor: Ana Portela
    Ana Portela
  • 5 de mai.
  • 2 min de leitura

Sótão (prelúdio de um arrependimento)


 Meu esterno pula com a música forte, estou a poucos passos da caixa de som. Aproveito a noite com sinceridade. Mesmo assim eu me pego te procurando na multidão de novo e a minha pele sente a falta do seu enlaço. 

  Esses dias esperei, mas provei coisas novas. Insisti na ideia de que você não foi nada demais, mas todos esses meses eu vivi primeiro por você. Admitir assim, portanto, parece apenas que fui passiva, mas entenda que eu vivi por meio de você. A passividade é consequência.

  De dentro do seu corpo eu vivi pela primeira vez, primeiras sensações. Alguém realmente segurou a minha mão. Mas não duraria muito, eu estava desabrochando. Me vi em pedaços e quando te contei, falei que precisava ser colada, vi que você era só uma ideia que eu mesma me vendi. E quando paro pra pensar no que fomos, parecemos apenas uma versão corrompida de nós.

  Mesmo desejando correr e bater na sua porta, que eu conheço bem já que na frente dela você me puxou várias e várias vezes em um, dois beijos, ofegantes, eu nunca o fiz. Eu deixei você fazer o que quisesse para que eu ficasse em paz para viver na minha cabeça. 

  Você sabe que eu não sou muito romântica. Eu sou de imaginar muito, gritar bem na sua cara tudo que eu queria ter feito, anunciar os efeitos especiais, chuva, carros buzinando, música de fundo. Grande roteirista da vida, ínfima, péssima espécime de ser humano. 

  Embriagada, cabeça alta, sinto a extensão dos tecidos e acessórios no meu corpo, até os bulbos capilares, cílios carregados de rímel, boca ressecada e dentes frágeis, pés cansados e joelhos doloridos, mesmo assim pareço de mentira. 

  Deito de uma vez na cama, a música ainda tá tocando e não vai parar. Eu não te vi lá, e é melhor assim.

  Me sobra a gente atravessando o eixão de madrugada, você me rodando na calçada, as caipirinhas compartilhadas, meu horário de ir embora, você treinando e eu desenhando, os outros achando graça que eu não falo nada. Sobra os lugares que nos beijamos, seu rosto decepcionado, o dia que voltei chorando no metrô, a segunda e a terceira chance, as playlists e as piadas. Devolvo pra caixa que tava fechada, com uma fita crepe riscada, escrita “Doação”. Lacro ela de novo. De volta para o sótão. E nessa volta, eu te concluo.

 
 
 

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